sábado, 12 de novembro de 2016

CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA:

graduação de curta duração para atender de forma mais imediata demandas do mercado


José dos Santos Souza

Nova Iguaçu (RJ), em 12/11/2016


    Curso superior de tecnologia é um tipo de graduação de curta duração, com carga horária mínima de 1.600 a 2.400 horas, dependendo da área, que se insere na categoria de cursos de nível superior na área da educação profissional e tecnológica e confere diploma de tecnólogo. Na condição de curso superior com características especiais, bem distintos dos tradicionais – embora o acesso se faça por meio de processo seletivo semelhante aos dos demais cursos de graduação –, os cursos superiores de tecnologia devem ser estruturados para atender aos diversos setores da economia, abrangendo áreas especializadas, tendo como foco o atendimento mais imediato de demandas do mercado de trabalho. Segundo o Parecer CNE/CES nº 436/2001 (BRASIL, 2001), os egressos desses cursos devem estar aptos a desenvolver atividades em determinada área profissional e devem ter formação específica para: a) aplicação, desenvolvimento, pesquisa aplicada e inovação tecnológica, bem como difusão de tecnologias; b) gestão de processos de produção de bens e serviços; e c) desenvolvimento da capacidade empreendedora (BRASIL, 2001, p. 09). Os portadores de diploma de tecnólogo gozam de todas as prerrogativas legais que qualquer outro graduado em nível superior, podendo ter acesso a cursos de pós-graduação lato sensu e/ou stricto sensu em nível de mestrado profissional ou acadêmico, bem como ao doutorado (Cf.: BRASIL, 2001).
    A justificativa recorrente para criação de cursos superiores de tecnologia se baseia em dois argumentos principais. Um é o da necessidade de cursos superiores com duração mais reduzida para atender ao interesse da juventude em dispor de credencial para o mercado de trabalho em tempo mais reduzido; outro é o de que esse tipo de curso permitiria maior rapidez no atendimento às mutações do mercado, ao mesmo tempo em que permite maior aprofundamento em áreas profissionais específicas, em sintonia com o mundo do trabalho. O Parecer CNE/CES nº 436/2001 é bastante claro na crença de que estas características de permanente ligação com o meio produtivo e com supostas necessidades da sociedade “colocam esses cursos em uma excelente perspectiva de atualização, renovação e auto-reestruturação, características também inerentes aos cursos sequenciais, porém cada vez mais presentes nos cursos de graduação” (BRASIL, 2001, p. 10).
    Os cursos superiores de tecnologia atualmente existentes têm sua base legal originada no extinto Decreto 2.208/1997 (BRASIL, 1997, Art. 3º), o qual havia estabelecido três níveis para a educação profissional: o básico, o técnico e o tecnológico. Este último correspondia a cursos de nível superior na área tecnológica que deveriam conferir diploma de tecnólogo. O Decreto 5.154/2004 (BRASIL, 2004), ao revogar o Decreto 2.208/1997, embora mantenha esses mesmos níveis da educação profissional, dá-lhes nova denominação: ao nível básico, denomina de qualificação profissional, inclusive formação inicial e continuada de trabalhadores”; ao nível técnico, denomina educação profissional técnica de nível médio”; e ao nível tecnológico, denomina educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação”. Este último corresponde aos cursos superiores de tecnologia e aos mestrados profissionais. Como se percebe, o Decreto 5.154/2004 só aprofunda o que o Decreto 2.208/1997 havia estabelecido para a educação profissional e tecnológica, ao tornar a nomenclatura mais claramente afinada com os interesses de mercado e ao estender a educação profissional tecnológica até à pós-graduação – algo que não estava explícito no Decreto 2.208/1997.
    Mas a ideia de implementação de cursos superiores de curta duração com foco nas demandas imediatas do mercado não é uma iniciativa inédita. No início dos anos 1960, o Art. 104 da Lei 4.024/1961 (BRASIL, 1961) já abria a possibilidade de organização de cursos ou escolas experimentais, com currículos, métodos e períodos escolares próprios, o que se pode considerar como o primeiro passo formal para a criação de cursos superiores diferenciados. Entretanto, segundo Brandão (2007, p. 03), foi a reforma universitária desencadeada pela Lei 5.540/1968 (BRASIL, 1968, Art. 18) que deflagrou diversos dispositivos legais, tanto no âmbito federal, quanto no âmbito de diversos estados da federação no sentido de se difundir e implantar cursos superiores de curta duração destinados a proporcionar habilitações profissionais intermediárias mais afinadas com as demandas do mercado.
    Brandão (2007, p. 04) aponta que, já na primeira metade dos anos 1960, havia propostas governamentais de implantação de cursos superiores diferentes dos tradicionais e que, em 1962, o Conselho Federal de Educação respaldou uma proposta de criação de uma modalidade distinta de formação de engenheiros para atender especialmente à indústria automobilística. Tratava-se do Curso de Engenharia de Operação, definido como uma formação profissional tecnológica de nível superior com duração de 3 anos.
    Durante a década de 1970, esses cursos tiveram grande dificuldade de se afirmarem, em função da resistência das associações de classe dos engenheiros que repudiavam o fato de um profissional formado em curta duração ser chamado de “engenheiro”. É somente em 1977 que esta polêmica foi dirimida com a extinção do Curso de Engenharia de Operação e a criação de uma nova modalidade de curso de engenharia, o Curso de Engenharia Industrial, com duração de 5 anos, considerado aceitável para formar engenheiros (BRANDÃO, 2007, p. 07). Apesar de resistências em relação ao título profissional, prevalecia a ideia de necessidade de formação de um profissional mais especializado em uma faixa menor de atividades, capaz de dar respostas mais imediatas a problemas práticos do dia-a-dia da produção. Nessa perspectiva, em 1978, foram então criados três Centros Federais de Educação Tecnológica que, dentre outras atribuições, cabia-lhes a tarefa de formar em nível superior profissionais em engenharia industrial (em 5 anos) e tecnólogos (em curta duração). O fato é que, a partir de 1972, se observa no MEC o início de uma política clara de incentivo a cursos superiores de curta duração, não somente na área de engenharia, mas em praticamente todos os setores da economia (NASCIMENTO, 1987 apud BRANDÃO, 2007, p. 7). Segundo Brandão (2007, p. 07), “a partir de então ocorre o verdadeiro impulso para os cursos superiores de curta duração a nível nacional”.
    Como exemplo de ação governamental para implantação de cursos superiores de curta duração para formar tecnólogos, podemos apontar o que ocorreu em São Paulo em 1968, quando,  o governo estadual aciona seu Conselho Estadual de Educação para pronunciar-se a respeito da possibilidade de implantação de cursos de curta duração para formar uma nova modalidade de profissionais. Este episódio resultou na criação do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEET-PS) que, a partir de 1970, manteve a oferta de cursos técnicos de nível superior. Em 1973, o CEET-PS passou a ser instituição mantenedora de diversas Faculdades Tecnológicas Estaduais, por meio das quais passou a organizar seus cursos técnicos de nível superior até meados dos anos 1990, quando os cursos superiores de tecnologia foram instituídos em nível nacional pela reforma da educação profissional desencadeada a partir de 1996.
    A consolidação definitiva da proposta de cursos superiores de duração reduzida para formar tecnólogos, sem dúvida, ocorreu a partir do Governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente por intermédio da ampliação de vagas para esse tipo de curso na iniciativa privada, referendadas pelo CNE, que regulamentou a estrutura e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia a partir do Decreto nº 2208/1997.  Não obstante, é durante o Governo Lula da Silva que a oferta desses cursos se estende para praticamente toda a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica em decorrência do Decreto 5154/2004 e da Lei nº 11.892/2008. Ao final dos anos 2000, os cursos superiores de tecnologia passam a ser uma realidade consolidada tanto na rede pública de ensino – em especial na rede federal e nas redes estaduais de ensino profissional e tecnológico –, quanto na rede privada.
Referências
BRANDÃO, Marisa. Cursos superiores de tecnologia: democratização do acesso ao ensino superior? Trabalho Necessário, Ano V, Nº 05, p. 1-15, 2007.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CNE/CES nº: 277, de 07 de dezembro de 2006. Nova forma de organização da Educação Profissional e Tecnológica de graduação. Brasília (DF): 2006. Disponível em: http://www.cee.pa.gov.br/sites/default/files/pces277_06_0.pdf, acesso em 31/10/216.

BRASIL. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997.Regulamenta o § 2 º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília (DF): 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2208.htmimpressa.htm, acesso em 31/10/2016.

BRASIL. Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Brasília (DF): 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/D5154.htm , acesso em 31/10/2016.

BRASIL. Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Brasília (DF): 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11741.htm#art1, acesso em 31/10/2016.

BRASIL. Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília (DF): 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm , acesso em 31/10/2016.

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília (DF): 1961. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm , acesso em 31/10/2016.

BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Brasília (DF): 1968. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-359201-publicacaooriginal-1-pl.html , acesso em 31/10/2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Parecer nº 436, de 02 de abril de 2001. Assunto: cursos superiores de tecnologia – formação de tecnólogos. Brasília (DF): 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0436.pdf , acesso em 31/10/2016.


BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE REGULAÇÃO E SUPERVISÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA. Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia. 3ª Ed. Brasília (DF): MEC, 2016. 194 p.







[1] José dos Santos Souza é Doutor em Sociologia (UNICAMP). Atua como professor associado de Economia Política da Educação e de Política Educacional do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) e o Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS).