domingo, 30 de outubro de 2016

O QUE É GERENCIALISMO?

José dos Santos Souza*


Nova Iguaçu (RJ), em 16/10/2016






    O termo “Gerencialismo” tem sido utilizado na literatura da área de ciências humanas para fazer referência à “Nova Gestão Pública” que, por sua vez, corresponde à versão em inglês “New Public Management”. Segundo Dasso Jr. (2016), quem primeiro cunhou a expressão “Nova Gestão Pública” foi Messenet (1975), ao estabelecer em sua obra uma crítica à administração pública burocrática, embora tenha sido Hood (1991) quem a consagrou, com a publicação do artigo “A public management for all seasons?”, em 1991. Assim, o difuso termo “Nova Gestão Pública” assumiu na literatura variantes tais como: “Gerencialismo”, “Novo Gerencialismo”, “Nova Gerência Pública”, “Gerência Baseada no Desempenho” ou “Reforma Gerencial”, dentre outros.
    Os termos “Gerencialismo” ou “Nova Gestão Pública” se referem às reformas governamentais de diversos países para superar a velha burocracia estatal por meio da propagação de nova cultura organizacional no serviço público, a qual identifica seus usuários como clientes de mesma natureza que aqueles de empresas privadas. O principal argumento do gerencialismo é a necessidade de superação do modelo burocrático de administração pública com foco nos procedimentos, cuja missão básica de servir a sociedade estaria comprometida. Seu propósito é instituir um novo modelo de administração pública com foco em resultados. Nesse sentido, se propõe a ir além do serviço burocratizado, pautado na mera execução de tarefas, segundo normas e procedimentos rígidos, a fim de estabelecer um conjunto de procedimentos mais flexíveis e menos normatizados, orientados por dados mais precisos sobre os resultados alcançados.
    Talvez a maior inovação do gerencialismo não seja a ênfase dada à eficiência, uma vez que esta característica já existia no modelo burocrático ao qual se contrapõe. Por suposto, sua maior inovação consiste na preocupação com o grau de alcance dos resultados – eficácia; e com os impactos gerados para a sociedade – efetividade. Nessa perspectiva, para a obtenção de melhores resultados, o gerencialismo toma como referência a ideia de accountability, ou seja, a ideia de que a administração pública deve pautar-se pela responsabilidade social, imputabilidade e obrigatoriedade de prestação de contas à população. Tudo isso se daria por meio de estratégias de mensuração de resultados do serviço prestado, de modo a permitir o cálculo preciso da satisfação dos clientes por intermédio de índices estabelecidos a priori, segundo critérios da Lei de Mercado, tendo como pressuposto um conjunto de metas estabelecidas pelos governantes, segundo critérios tecnocráticos. 
    A visibilidade interna e externa de procedimentos adotados e resultados alcançados é outra característica do gerencialismo. Por meio da publicização dos procedimentos e resultados, o gerencialismo sugere o efetivo controle do processo e do produto, não só por parte dos servidores públicos (efetivos ou contratados), mas também pela população em geral, a pretexto de promover a participação e o controle social por parte dos usuários (ou clientes) do serviço público.
    Ainda como característica do gerencialismo, percebem-se esforços explícitos para flexibilizar o direito administrativo aos limites mais amplos possíveis. Seu propósito, na realidade, é desregulamentar a administração pública ao nível de ter somente a lógica do mercado como forma de regulação. Ao que parece, o único limite para este esforço são as resistências de segmentos da sociedade civil organizada em defesa dos interesses de caráter popular e democrático.
    Também é característica do gerencialismo a pulverização de tipos de vínculo institucional dos servidores públicos, dando maior ênfase para a terceirização e o contrato temporário de trabalho. A terceirização, por meio de contratação de empresas privadas ou por meio de parcerias público-privadas entre o Estado e organizações sociais ou instituições filantrópicas; a contratação temporária, por meio de seleção simplificada, em detrimento de concurso público para o provimento de cargos por servidores do quadro efetivo.
    Por fim, a promoção da competição entre sujeitos e instituições por meio da simulação de um ambiente concorrencial, de modo a incitar os servidores a obterem melhores resultados, é mais uma característica do gerencialismo. A estratégia mais comum nesses casos é premiação, tanto por intermédio de liberação de recursos para as organizações com melhores resultados, quanto por meio de pagamento de bônus diretamente aos servidores, sempre tomando como referência os indicadores pré-estabelecidos.
    Considerando o contexto sócio-histórico mais amplo, o gerencialismo é decorrência da contrarreforma burguesa para redefinir o papel do Estado e sua relação com a sociedade, com vistas na superação da crise fiscal herdada do modelo de desenvolvimento do capital baseado no regime de acumulação fordista e no modo de regulação social keynesiano. Essa crise fiscal é, na realidade, expressão da crise estrutural da ordem capitalista de produção e reprodução social da vida material, conforme apontado por Harvey (1992), Chesnais (1996), Mészáros (2002) e Hobsbawm (2008) e Antunes (2000), dentre outros. Como expressão da contrarreforma burguesa, o gerencialismo consiste em um modelo de gestão inerente ao receituário neoliberal implantado a partir do Governo Margaret Thatcher, primeira ministra da Inglaterra (1979 a 1990), e por Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos (1981-1989). A partir de então, o gerencialismo passou a ser preconizado pelos neoliberais como estratégia fundamental para aplacar ao que apontavam como efeito destrutivo de uma velha e ineficiente burocracia herdada do Estado de Bem-Estar Social, marcada pela rigidez, excesso de procedimentos burocráticos, baixa produtividade e má gestão de recursos materiais e financeiros, além de baixa responsabilização dos gestores frente ao sistema político e à sociedade.
    No Brasil, o gerencialismo ganha materialidade mais expressiva a partir da condução de Bresser-Pereira ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-1999), quando implanta o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (FALCÃO et alli, 2013; BRESSER-PEREIRA, 2008; MOREIRA NETO, 2006; BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999).
    Apesar dessa reforma gerencial ter criado raízes nas diferentes esferas da administração pública, se estendendo até aos governos Lula da Silva e Dilma Roussef, tudo leva a crer que, apesar de ter avançado a accountability, não há evidências de que isso tenha garantido maior qualidade do serviço público. Tampouco se percebe grandes alterações no que tange à baixa capacidade de controle social sobre a administração pública. Por outro lado, a implementação do gerencialismo tem sido eficaz na redefinição da relação entre Estado e sociedade, na capacidade de mediação do conflito de classes e no redirecionamento do uso do fundo público.
Referências:
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000. 264 p.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Os primeiros passos da reforma gerencial do Estado de 1995. Trabalho escrito para ser publicado em livro organizado por Maria Ângela d’Incao. 2008. Disponível em: http://www.resserpereira.org.br/papers/2008/08.13.Primeiros.PassosReformaGerencial.pdf, acesso em: 06/01/2009.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______; ______ (Orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 15-48.

DASSO Jr., Aragon Érico. “Nova Gestão Pública” (NGP): a teoria de administração pública do estado ultraliberal. S/l, 2016. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d05c25e6e6c5d489 , acesso em 16/10/2016.

FALCÃO, Joaquim; GERRA, Sérgio; ALMEIDA, Rafael (Orgs.). Administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. Trad. de Adail Ubirajara Sobral. 14. ed. São Paulo: Loyola, 1992.

HOBSBAWN, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX. Trad. de Marcos Santarrita. 10. ed. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2008.

HOOD, Christopher. A public management for all seasons? Public Administration, United Kingdom, Vol. 69, p. 3-19, Spring/1991.

MASSENET,  Michel; GÉLINIER, Octave. La Nouvelle gestion publique: pour un État sans bureaucratie. Paris, France: Éditions Hommes et Techniques, 1975. 145 p.

MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo: Campinas: Edunicamp, 2002.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.



*José dos Santos Souza é Doutor em Sociologia (UNICAMP). Atua como professor associado de Economia Política da Educação e de Política Educacional do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) e o Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS).