Comboio militar é saudado com aplausos por apoiadores de Bolsonaro |
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Inicio este texto levantando a hipótese de que o senso
comum trabalha em uma lógica predominantemente espiritual, qual seja, o
entendimento da consciência coletiva das classes subalternas crê que a
subjetividade preside a materialidade e que portanto, os fenômenos materiais
são regidos por questões morais, sendo assim, a presente crise econômica
decorre da degradação da moralidade e dos valores éticos. Se considerarmos que
amplos setores da filosofia e a religião de modo geral defende esta lógica e
que a lógica das camadas populares é a lógica da fé, nossa proposição não se faz
tão desarrazoada.
Máximo Gorki, escritor russo e amigo de Lenin, compreendendo como se processava o pensamento do camponês russo, chega a sugerir ao líder da Revolução Russa que se transforme o socialismo em religião.
Disso se conclui, entretanto, que nas massas como tais, a filosofia não pode ser vivida senão como uma fé. Que se pense, ademais, na posição intelectual de um homem do povo; ele elaborou para si opiniões, convicções, critérios de discriminação e normas de conduta. Todo aquele que sustenta um ponto de vista contrário ao seu, enquanto é intelectualmente superior, sabe argumentar as suas razões melhor do que ele e, logicamente o derrota na discussão. Deveria por isso o homem do povo mudar de convicção [...]. O elemento mais importante, indubitavelmente, é de caráter não racional: é um elemento de fé. Mas de fé em quem e em quê? Sobretudo no grupo social ao qual pertence (GRAMSCI, 2015, p. 109).
Gorki é preciso, ao detectar a forma como se processa o pensamento das classes subalternas, onde a fé sobrepõe ao pensamento científico. Para as camadas populares, o que legitima o saber é o grupo social do qual faz parte, a tradição. No entanto, como Lenin defende a emancipação humana, jamais poderia concordar em um projeto que não elevasse o senso comum, e que, ao contrário, disseminasse um novo conhecimento como verdade mecânica e irrefletida.
Como pensador, Gorki carecia de uma sólida organização teórica. Impressionado com as características psicológicas dos camponeses russos e com o atraso em que eles se achavam, o escritor chegou a preconizar a transformação do socialismo em uma religião, a fim de que as massas fossem mais eficazmente mobilizadas no impulso para sua auto emancipação. Ante as críticas de Lenin, reconheceu: “sou um mau marxista” (KONDER, 1967, p. 86, grifo do autor).
O fenômeno Bolsonaro pautou-se na mitificação de um
indivíduo que defende os valores morais, tidos como tradicionais, diante da
corrosão ético-política decorrente da crise orgânica em que estamos imersos. No
entanto, é importante ressaltar que, em que pese a fragmentação de seu grupo
político, há um intelectual orgânico que dá coesão à plataforma defendida por
Bolsonaro. O nome dele é Olavo de Carvalho.
A crise orgânica do capital, ainda que parta do
desarranjo produzido pelo caráter anárquico da produção capitalista, se
materializa por uma profunda crise moral, os períodos de crise orgânica:
O mito messiânico de Jair Messias Bolsonaro é a expressão material do pensamento ultraconservador elaborado há décadas por Olavo de Carvalho. É importante ressaltar que este auto-aclamado filósofo sempre teve permeabilidade na mídia corporativa: O Globo, Veja, Jornal do Brasil, entre outras. Estes aparelhos privados de hegemonia abriram espaço para que seu pensamento conservador e conspiracionista fosse amplamente divulgado. Portanto, esta potência oculta sempre teve uma fração de classe para lhe dar apoio e propagar suas ideias.
Em um certo ponto de sua vida histórica, os grupos sociais se separam de seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradicionais naquela dada forma organizativa, com aqueles determinados homens que a constituem, não são mais reconhecidos como sua expressão por sua classe ou fração de classe. Quando se verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois abre-se campo às soluções de força, à atividades de potências ocultas representadas pelos homens providenciais ou carismáticos (GRAMSCI, 2014, p. 60)
Diante da corrosão moral provocada pela crise do capital
e pela ausência de outra matriz de pensamento para defender os valores
burgueses, a coerência caótica e os falsos argumentos de Olavo de Carvalho são
evocados como o que há de mais coerente para dar continuidade à reprodução do
modo de vida burguês. É importante ressaltar que por trás do véu moralista como
estratégia de mediação do conflito de classes, esconde-se a defesa de Bolsonaro à intensificação da exploração da
classe trabalhadora e ao extermínio das camadas historicamente excluídas.
O moderno príncipe, diante da necessidade de expandir a
extração do trabalho vivo para recompor seus lucros, adere ao projeto que propõe
uma coesão moral de novo tipo, obscura, violenta e com ares providenciais.
Utilizando-se habilmente das redes sociais e de uma máquina de produção de Fakenews, que conta com apoio financeiro dos aparelhos privados de hegemonia do
capital. A campanha de Bolsonaro se utiliza de princípios que Gramsci denominou de contra-revolução, onde “a repetição é o meio didático, mais eficaz
para agir sobre a mentalidade popular" (GRAMSCI, 2015, p.110).
Referências
GRAMSCI,
Antonio. Introdução ao estudo da
filosofia. In:______. Cadernos
do Cárcere. Trad. Carlos Nelson Coutinho; coedição, Luiz Sérgio Henriques e
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8ª edição,
2015b. Vol. I. 494 p.
GRAMSCI,
Antonio. Breves notas sobre a política
de Maquiavel. In:______. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 6ª Edição, 2014.Vol III. 431 p.
KONDER,
Leandro. Os marxistas e a arte. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.